OMS alerta que, até 2020, mal será a doença mais incapacitante do mundo.
Tachada
de mal do século, a depressão é responsável por retirar do mercado de trabalho
milhares de profissionais todos os anos. No ano passado, 75,3 mil trabalhadores
foram afastados em razão do mal, com direito a recebimento de auxílio-doença em
casos episódicos ou recorrentes. Eles representaram 37,8% de todas as licenças
em 2016 motivadas por transtornos mentais e comportamentais, que incluem não só
a depressão, como estresse, ansiedade, transtornos bipolares, esquizofrenia e
transtornos mentais relacionados ao consumo de álcool e cocaína. No ano
passado, mais de 199 mil pessoas se ausentaram do mercado e receberam
benefícios relacionados a estas enfermidades, o que supera o total registrado
em 2015, de 170,8 mil.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhHkHqQEXOorNixEOxH_wvOec9Mp4rhQk-NSQ5PHAdPwoirn2d1CmQtIi-7XOO_2DHO4XTGJV6t4xVib-JW0i0KlHpe7VPxtLlGJTSw01UjdmI87nQ2TTB3Sv6xJTNsmRj6-OTCRPhiJFs/s320/depressaojovem.jpg)
Para os
especialistas, a situação evidencia a necessidade de colocar esse tipo de
transtorno no topo da lista de preocupações para políticas públicas e de
empresas. A própria Organização Mundial de Saúde (OMS) alerta que, até 2020, a
depressão será a doença mais incapacitante do mundo. A Associação Brasileira de
Psiquiatria (ABP) estima que entre 20% e 25% da população tiveram, têm ou terão
um quadro de depressão em algum momento da vida.
Mudanças de emprego
Para Leonardo Rolim, especialista em Previdência, as políticas públicas falham pois não se preocupam em reintegrar os profissionais no ambiente de trabalho. Segundo ele, apenas 5% dos trabalhadores afastados são reabilitados no emprego:
Os
números são muito grandes, e há uma falha na reabilitação. Mesmo quando volta,
o trabalhador demora muito. O Estado gastaria menos reintegrando esse
trabalhador do que pagando benefícios por muitos anos.
Ao
longo dos seus 32 anos, Manoela Serra já conviveu com episódios depressivos
várias vezes. Ela foi diagnosticada com transtorno bipolar em 2009, aos 25
anos. Isso faz com que tenha de conviver com ciclos de euforia e outros em que
mergulha em depressão profunda. O primeiro episódio depressivo ocorreu quando
ela tinha 15 anos.
No
mercado de trabalho, pulou de emprego em emprego, sem se firmar em razão das
consequências do transtorno. Além de apatia e insegurança, ela sofria fortes
enxaquecas e esofagite. Em alguns dos vários empregos pelos quais passou,
chegou a desenvolver síndrome do pânico.
No
início, ficava animada, inspirada, acumulava turnos. É a euforia bipolar. Até
um dia em que, de uma hora para a outra, vinha a depressão. Ficava incomodada,
com mania de perseguição, achava que não era boa o suficiente, chorava, tinha
enxaqueca. O coração disparava e eu entrava num estado de nervos em que achava
que ia morrer. A depressão é isso: uma sensação de morte conta.
Quando
a depressão começava, ela era obrigada a levar atestados para se manter
afastada. Embora avalie que foi compreendida pelos patrões, quando os atestados
se tornavam mais frequentes, não restava outra opção a não ser recorrer ao INSS
ou pedir demissão. Nesse ciclo, ela se demitiu de empregos de garçonete, caixa,
vendedora, atendente de casa de câmbio e companhia aérea. Diante da falta de
uma estrutura de apoio, a alta rotatividade do profissional no mercado de
trabalho é um dos efeitos da doença.
Segundo
Antônio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, a
capacidade de trabalho e todas as outras funções do corpo ficam abaixo do
normal em uma pessoa deprimida:
Todas
as funções da pessoa com depressão estão para baixo: a capacidade de trabalho,
insegurança, falta de vaidade, a pessoa se sente feia, se sente péssima, sem
condições de trabalho, perde as forças, a vontade. Fica sem concentração por
causa das alterações do sono. Como trabalhar oito horas após noites seguidas de
insônia? Como trabalhar com sonolência excessiva?
Profissões com maior incidência
Depois do diagnóstico, Manoela passou a se tratar corretamente e consegue ter um controle maior das crises, com a ajuda de medicação. Hoje, é escritora e transformou sua história em livro, O Diário Bipolar, e dá palestras sobre o tema.
Parte
dos problemas que chegam ao INSS foram desencadeados por fatores relacionados
ao próprio ambiente de trabalho. De todo o pessoal afastado no ano passado por
transtornos de comportamento em geral, ao menos 10,6 mil foram considerados
acidentes de trabalho, ou seja, tiveram o ambiente profissional como um dos
agentes desencadeadores da doença.
Para
casos específicos de depressão, episódicos ou recorrentes, foram 3,4 mil
auxílios por acidente de trabalho. Os números, porém, podem ser bem maiores.
Parte dos especialistas destaca que há risco de subnotificação, diante da
dificuldade em comprovar o papel do ambiente de trabalho na ocorrência de
episódios depressivos. Mesmo assim, há profissões que são conhecidas por terem
mais afastamentos e aposentadorias ligadas a transtornos dessa natureza. É o
caso do mercado financeiro, dos controladores de voo, dos profissionais da área
de segurança, juízes, jornalistas e médicos.
Na
avaliação de Rolim, em casos de acidente de trabalho, deveria haver algum tipo
de ação para que o empregador compense o INSS, já que o ambiente foi
considerado um fator que desencadeou a doença.
Por
transtornos em decorrência de uso de psicoativos, sobretudo álcool e cocaína,
foram 240 afastamentos considerados acidente de trabalho em 2016. Outros 34,2
mil receberam o auxílio previdenciário, quando não há conexão com o ambiente de
trabalho. Procurado para falar sobre o assunto, o Ministério da Previdência não
comentou.
Carga exaustiva de trabalho
Uma das diretoras da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (ANAMT), Rosylane Rocha explica que a depressão é uma doença, com um componente genético, que pode ser desencadeada por uma série de fatores, como o contexto social ou um determinado evento de vida da pessoa. Uma vez que exista a predisposição para a doença, uma carga exaustiva e recorrente de trabalho, um ambiente muito estressante ou uma situação de estresse pós traumático, por exemplo, podem fazer com que o trabalho seja o fator responsável por desencadear o problema. É nesses casos em que os benefícios são considerados acidente de trabalho.
Esses
casos ocorrem quando o médico entende que há uma contribuição relevante do
ambiente de emprego para o quadro, a ponto de que, sem isso, a depressão não
eclodiria explica.
Para o
presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, o trabalho pode, de fato,
ter impacto sobre a saúde do trabalhador:
O termo
estresse vem da física, para você medir o estresse de uma ponte, por exemplo.
Se passar mais peso do que o previsto, a ponte estressa e rompe. Com o ser
humano é a mesma coisa. Se ele passa a trabalhar 12h por dia, por exemplo, vai
se estressar e romper, quebrar.
Fonte: Jornal O Globo (12/02/2017)
Nenhum comentário:
Postar um comentário